Atenção! Esse post contem um nível moderado de spoilers, mas pode estragar a experiência dos gamers mais sensíveis.
Compreender uma obra de fato é ir além da sua aparência e da superficialidade da classificação de gênero e da sua estrutura narrativa, chegando ao ponto de sentir-se permeado por tudo aquilo que preenche o espaço entre esses dois elementos.
Quando The Last of Us começou a aparecer nos sites e fóruns mundo afora, uma especulação absolutamente compreensível dava conta de que o game se revelaria um título B da Naught Dog por causa da sua temática pós-apocalíptica, afinal, o fim do mundo é o ambiente da moda e o plano de fundo mais usado para gerar pseudo-profundidade em roteiros clichês atualmente. Fazer algo diferenciado se destacar na briga pelo mesmo espaço temático disputado por obras que vão da ótima Walking Dead até A Hospedeira - último livro de Stephenie Meyer, escritora da Saga Crepúsculo - era, na opinião de muitos fãs, uma missão difícil para a casa de Uncharted, Crash Bandicoot e cia.
Os produtores do jogo, no entanto, mostraram ter ciência de que o segredo está na capacidade de gerar envolvimento entre jogador e personagens e que empatia é algo que se dá quando nos reconhecemos no outro e compreendemos que existe uma conexão entre a nossa vida e a história, os medos, os desejos e as fraquezas daquelas pessoas sobre as quais lançamos nosso olhar. Para que tal conexão seja feita, é necessário que estejamos olhando para seres humanos complexos e não apenas arquétipos frios e sem vida.
Nesse momento é que pensamos: de onde veio a inspiração para construir seres humanos transpassados simultaneamente por cargas tão grandes de violência, medo, frustração e desesperança e que, mesmo com tamanha carga negativa, conseguem nos fazer entender amizade, amor, responsabilidade, coragem e comprometimento?
Nessa lista você encontrará personagens que percorreram esse caminho antes de Ellie e Joel, deixando suas marcas e lições para os que, como a Naught Dog, tivessem a coragem de encarar o lado humano de um mundo morto.
Bravura Indômita
Uma garota surge na vida de um homem solitário e, ao mesmo tempo que o coloca em uma situação de perigo extremo, confere uma nova motivação à sua existência, já desbotada por tantos anos de conflito e violência.
Assim como em The Last of Us, a relação entre os dois personagens principais é a liga que mantém o espectador envolvido e interessado no futuro daquelas almas sofridas.
Existem duas versões desse filme, uma de 1969, dirigida Henry Hathaway e estrelada por John Wayne e outra de 2010, dirigida pelos irmãos Coen, de quem falaremos mais logo na sequência.
1969
2010
Onde os fracos não têm vez
Responsáveis por filmes como Na roda da fortuna, Fargo, O Homem que não estava lá, O Grande Lebowski, Queime depois de ler e Um homem sério, os irmãos Coen têm um lugar reservado no ideário dos desenvolvedores de The Last of Us e essa película em específico foi citada como a referência para a construção do clima de tensão do game.
Filhos da esperança
Sem nenhum nascimento há 18 anos, o fim da raça humana parece cada vez mais próximo e, em meio a uma crise global que consome a sociedade, acompanhamos a assustadora jornada de um ex-rebelde e uma exilada grávida, a primeira em quase duas décadas e a possível chave para salvação da espécie, pelo Reino Unido devastado.
Com momentos de ação intensa, longos planos-sequência (tomadas sem corte, sem edição), e uma ambientação bastante rica, essa é uma produção que vale a pena ser conferida pelo seu exercício de imaginação do caos em uma sociedade que teme a extinção.
A estrada
Dos títulos da lista, esse foi o mais foi o que mais recebeu comparações com The Last of Us. E não é para menos, o foco intimista na relação de pai e filho contextualizada no pós apocalipse lembra realmente o modo como a construção dos laços afetivos entre Joel e Ellie se dá no game da Naught Dog.
O filme é uma pedrada, assim como o game.
O profissional
No game, Joel fica bastante contrariado ao ter de confiar uma arma a uma criança como Ellie. No entanto, o instinto de sobrevivência fala mais alto do que essa barreira moral, herança de uma época civilizada que já ficou no passado. "O Profissional" também discute a violência e o amor fortalecendo-se mutuamente.
A polêmica envolvendo esse filme começa quando pensamos no seu roteiro que não faz concessões ao colocar a jovem Natalie Portman, com apenas 11 anos, em situações de intensa violência física e psicológica para contar a história do assassino Leon, cuja vida é resgatada de uma inércia banhada a sangue quando uma garotinha pede sua proteção para sobreviver após ter a sua família morta pela polícia.
A ambientação não é pós-apocalíptica, mas a brutalidade nas ruas é equivalente e logo percebemos que a menina precisa aprender a matar se quiser sobreviver. Dessa forma, 14 anos antes da HQ de Kick-Ass ser publicada, Mathilda era a hit-girl mais badass da cultura pop.
Vírus
Esse é o kit completo: Filme de estrada pós apocalíptico com infecção, zumbis, distopia, violência e reflexões constantes sobre o quanto vale a pena viver quando a paranoia da sobrevivência a qualquer custo nos torna menos humanos a cada decisão que temos de tomar.
O clima de suspense é sólido e o ambiente assemelha-se bastante ao que encontramos em games de survivor horror.
Monstros
O mundo foi invadido por alienígenas gigantescos e a sociedade organizada respira por aparelhos. Mas mesmo nesse ambiente, o nosso impulso desbravador e nosso entusiasmo perante a descoberta de novos lugares, experiências e sentimentos ainda é capaz de nos inspirar a resgatar uma parte esquecida de nós mesmos.
"Monstros" não tem girafas, mas tem uma das cenas mais bonitas da história dos filmes de alienígenas.