Crítica | Tempo

Crítica | Tempo

Novo filme de M. Night Shyamalan é uma ótima ideia mas com execução confusa
#Cinema Publicado por Alencar.F10, em

Tempo (Old) é o novo filme do polêmico diretor M. Night Shyamalan. Em sua nova história, baseada na HQ Sandcastle, 3 famílias em período de férias são levadas para uma praia isolada e paradisíaca. Entretanto, o que era para ser um dia agradável e divertido, se transforma em puro desespero quando eles descobrem que estão envelhecendo muito mais rápido do que o normal.

M. Night Shyamalan tem uma carreira bem curiosa como diretor de cinema. Ele foi o responsável por verdadeiras obras primas, tais como O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), Corpo Fechado (Unbreakable, 2000) e Fragmentado (Split, 2016). Por outro lado, em seu currículo também encontramos filmes, no mínimo, esquecíveis, como A Dama na Água (Lady in the Water, 2006), Fim dos Tempos (The Happening, 2008) e O Último Mestre do Ar (The Last Airbender, 2010).

Portanto, a maneira correta de se lidar com Shyamalan é não criar expectativas com os seus filmes. Mas isso é algo muito difícil, tendo em vista que praticamente todas as suas obras envolvem uma aura de mistério e suspense. E Tempo não deixa de ser uma delas.

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Anormalidade

Buscando criar um clima de constante estranheza, o roteiro nos conduz por uma história desencontrada. Além disso, a direção nunca nos permite pensar que aquilo que estamos vendo é normal. Mesmo no ato introdutório do filme, que é mais leve, sempre parece que tem algo bizarro, algo estranho no ar.

E isso reverbera na qualidade estética do filme. É tudo meio esquisito, meio anormal. E é assim que podemos resumir a obra. Se juntarmos o anormal estético com os acontecimentos anormais que a história apresenta, faz muito sentido. No entanto, todavia, contudo, há muitas coisas desconexas no filme que não podem ser creditadas na anormalidade da estética e da trama apresentada.

Atuações e furos de roteiro

Um desses elementos que se apresenta desconexo é a atuação. Basicamente todos do elenco, que conta com nomes de peso como Gael García Bernal (Diários de Motocicleta), possuem uma atuação caricata, para dizer o mínimo. Os diálogos são esquisitos, as crianças parecem falar como adultos e, em certos momentos do longa, parece que estamos vendo um filme lado B. A verdade é que a atuação também não entrega bem a ideia de envelhecimento, que é um dos pontos centrais da trama.

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Além disso, Tempo tem um elemento fantástico: a praia que faz as pessoas envelhecerem rapidamente. Até aí tudo bem. Mas o diretor e os roteiristas inserem diversas explicações para tornar aquela situação mais realista, mais verossímil. É aí onde entra o elemento científico da história. Ao tentar inserir a “ciência” na trama, o diretor acidentalmente abre vários furos e inconsistências no roteiro.

Por exemplo, se as células do corpo envelhecem mais rápido, por que os cabelos e as unhas não crescem no mesmo ritmo? Por que ninguém cria barba? Como que as crianças, ao envelhecerem, adquirem também maturidade de vida sem nunca terem passado por experiência alguma? Se o diretor tivesse mantido esse elemento apenas no campo do fantástico, da magia, tais inconsistências poderiam ser facilmente ignoradas.

Erro de conceito

Temos aqui então um erro de conceito. Ou seja, o roteiro não se encaixa no filme como um todo, especialmente de tudo o que ele construiu e apresentou nos dois primeiros atos. O terceiro ato, por fim, destrói tudo o que vinha sendo construído. Parece até que foi escrito por um outro roteirista que não concordou muito com as ideias apresentadas nos dois atos iniciais.

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A prova de que Tempo é um filme desconexo e desencaixado é que ele quer ser tudo ao mesmo tempo e acaba não sendo nada. Como assim? O filme possui cenas trash, buscando o horror visual escancarado, mas de forma gratuita. O filme também se vende como terror, mas ele não assusta. Se vende como suspense, mas não consegue. E no terceiro ato temos uma ficção científica que empobrece ainda mais a obra. Então… é difícil definir qual o gênero desse filme.

Alguns elementos visuais parecem que estão lá apenas para o diretor mostrar que sabe fazer uma cena de horror mais gore, por exemplo. Mas uma coisa é saber montar e construir uma cena. Outra é fazer ela ter sentido dentro de toda a trama. E aqui o Shyamalan falha miseravelmente. O filme foi vendido de um jeito mas o roteiro é completamente diferente.

Parte técnica afiada

Entretanto, não podemos deixar de lado a parte técnica do filme. M. Night Shyamalan é um diretor experiente e que sabe executar bem o seu trabalho. Ele sabe construir bem a tensão, a ação é fluída, mesmo em um cenário pequeno e com tantas pessoas envolvidas.

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Ele consegue conectar bem os diversos conflitos que surgem, bem como as várias linhas de tensões. Dessa forma, o segundo ato consegue prender bem mais o espectador, deixando-o tenso e curioso boa parte do tempo. Afinal de contas, nós queremos saber se eles vão conseguir escapar da praia ou se vão envelhecer e, consequentemente, morrer tentando.

Reflexões

Entretanto, apesar dos pontos negativos que eu pontuei de forma bem pesada até, o filme Tempo gera uma reflexão positiva. Pelo menos para mim. E é justamente sobre a questão do tempo. É claro que não estamos em uma praia pitoresca que faz as pessoas envelhecerem uma vida em apenas um dia.

Mas, na minha humilde opinião, Tempo é uma alegoria crítica para a correria desenfreada que nós vivemos hoje. Estamos o tempo todo tão ocupados, com tão pouco tempo para as coisas que importam que a vida acaba passando sem que tenhamos feito nada de relevante. Sem que tenhamos, de fato, aproveitado as coisas boas da nossa existência.

Uma hora a gente tem 20 e poucos anos, cheios de planos e com a vida toda pela frente. Quando piscamos, já estamos com 30, talvez com um ou dois filhos e poucos sonhos realizados. Piscamos de novo e estamos nos 40, com os problemas começando a se acumular. Piscou de novo já estamos nos 50, começando a ficar ultrapassados. Depois com 60 e a saúde vai debilitando, o plano de saúde ficando mais caro, os planos e sonhos mais escassos até que chega a hora da nossa inevitável morte.

Na escala de espaço e tempo do universo, o planeta Terra é apenas uma pequena praia com clima perfeito isolado nos confins de uma galáxia qualquer. Toda a história da raça humana não passa de uma nota de rodapé. E a nossa vida não equivale a sequer um dia no grande esquema das coisas. Cabe a nós usarmos bem o pouco de tempo que nos foi concedido nesta “praia” estranha e louca chamada Terra.

Alencar.F10
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