Power Glove, a história do incompetente acessório para o Nintendinho que virou um ícone cultural

Power Glove, a história do incompetente acessório para o Nintendinho que virou um ícone cultural

A luva do futuro que falhou como produto mas que virou um item cultuado
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A imagem que abre este artigo é um frame de um filme que foi alçado ao posto de um ícone cult para muita gente (me incluo nessa lista).

O filme em questão é o "O Gênio do Videogame" (The Wizard), lançado em 1989. Você que está lendo este texto era criança na década de 90? Caso sua resposta seja sim é bem provável que você tenha boas lembranças desse filme que apareceu algumas vezes na Sessão da Tarde (TV Globo).

O personagem em questão na imagem é Lucas Barton, interpretado por Jackey Vinson. Em dado momento de sua participação no filme (que era mais uma autopromoção da Nintendo), ele empunhou o que seria um novo acessório para o NES (o Nintendinho), e, assim como o filme, foi elevado ao posto de ícone cultural. Estou falando da mítica Power Glove.

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Vou relembrar a história desse acessório que promovia uma abordagem muito à frente do seu tempo em termos de jogabilidade.

Power Glove, o acessório que roubou a atenção de uma geração

Jogar, acima de tudo, é assumir uma posição de poder. Você como jogador entra em um universo virtual e encara desafios programados previamente. Os acessórios que permitem a sua ligação com a máquina são determinantes na sua experiência.

Alguns se sentem mais confortáveis com a dobradinha teclado/mouse, outros com joysticks, e uma parcela que busca ainda mais imersão abraça os headsets de realidade virtual.

Falar da Power Glove, sem dúvidas, é relembrar a mensagem de poder e imersão que a Nintendo prometia para o mercado no fim da década de 80. A modéstia passa longe até mesmo no nome: Power Glove (luva do poder).

Até mesmo o material de divulgação da luva criava essa aura de “você está em contato com algo que impõe respeito”. Sempre que eu vejo um dos cartazes de promoção da Power Glove lembro do poster do filme Stallone: Cobra, lançado três anos antes da luva. As duas imagens passam essa ideia de você no controle de algo poderoso e que impõe respeito.

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A década de 80 era um momento ímpar para a Nintendo, e uma luva como joystick para o NES seria o que poderia impulsionar ainda mais a imagem da companhia como projetista do futuro.

Vale lembrar que o sonho da luva como um dispositivo de entrada para a interação era um assunto debatido bem antes da Nintendo lançar a Power Glove para o mercado de consumo. Na década de 70 a ideia de controlar um computador através de uma luva era um assunto que chegou a ser colocado em pauta. Imagine se, ao invés do mouse, fosse a luva um dos nossos principais dispositivos de entrada?

Na década de 80 e meados de 90 o mercado de videogames passava pelo que ficou rotulado como “Nintendo Mania”. Mania que a Nintendo dominava não apenas no sentido de consoles domésticos. Essa supremacia já estava presente antes mesmo da empresa se aventurar com um console para jogar em casa.

No início dos anos 80 a Nintendo já tirava onda num outro segmento de jogos eletrônicos, o de fliperamas. Um exemplo que simboliza isso é o jogo Donkey Kong, lançado para arcades em 1981. Nos dois primeiros anos de mercado o jogo rendeu mais de US$ 280 milhões.

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Com o console doméstico, a Nintendo conquistou algo ainda mais difícil, consolidar seu nome no mercado de jogos americano, mercado que tinha perdido força e que a Nintendo tem participação direta na retomada.

Junto com o redesign do Famicon, que virou NES para o mercado americano, o apelo em relação aos acessórios que incrementasse a jogabilidade ganhou força.

Entretanto, uma coisa era lançar um pistola pra matar patos virtuais que apareciam na tela, acessório que recebeu o nome de Zapper, outra coisa era investir num acessório que era uma quebra total de paradigma em termos de jogabilidade. Quase um vislumbre do futuro. Esse acessório era a Power Glove, nada mais, nada menos, que o primeiro controle baseado em gestos para videogames!

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A PowerGlove é a versão enxuta e menos funcional da DataGlove, luva de US$ 10.000 idealizado por Tim Zimmerman, e que ganhou vida na VLP Research. A VLP, fundada por Jason Lanier, foi a primeira companhia a desenvolver e vender produtos de realidade virtual.

Agora tente imaginar a seguinte possibilidade: transformar um equipamento realmente inovador de US$ 10.000 em um produto para o público gamer com preço sugerido de US$ 75. Foi justamente isso que aconteceu. A DataGlove virou a PowerGlove.

Antes mesmo da luva virar um acessório para o NES, a ideia era que uma outra empresa, a AGE, criasse um videogame com uma forma bem mais imersiva de interação. A luva seria essa forma de interação.

No entanto, competir com a Nintendo naquele momento seria arriscado demais. O curso da história foi outro. A tecnologia da VLP, licenciada pela AGE, virou um dispositivo compatível com o NES. A fabricação da luva, nesse modo de um produto final, bem mais barato e pronto para atender o mercado gamer, ficou nas mãos da Mattel, que já tinha passado por uma experiência negativa no mercado de jogos, com o console Intellivision.

Transformar um produto de US$ 10.000 num de US$ 75 não seria uma tarefa fácil, e muita coisa teve que ser alterada - principalmente em termos de tecnologia. A principal mudança técnica aconteceu nos sensores. Os sensores magnéticos deram lugar aos de rastreamento ultrasonico.

Os dois transmissões na luva se comunicam com três estações receptoras que ficavam encaixados em L no televisor. A transmissão entre a luva e as estações acontecia por ultrassom, espectro de frequência inaudível para o ser humano.

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Os receptores capturavam movimentos como rotação da mão, movimentação dos dedos e deslocamento na vertical e horizontal

Obviamente que o corte em termos de tecnologia gerou um grande impacto no produto final. O projeto saiu basicamente de um apetrecho high-tech altamente disruptivo para um acessório com uma tecnologia meia boca e um visual badass.

Outro ponto determinante para o desfecho caótico da Power Glove foi a correria com o andamento do projeto. A equipe teve entre 8 e 10 semanas para desenvolver a luva. Eles trabalhavam dia e noite, algumas pessoas chegavam a dormir no escritório.

A tensão entre Nintendo e Mattel também marcou o projeto. A Nintendo não curtiu a Power Glove, a Mattel teve que trabalhar bastante para convencer a Big N a ceder o famoso selo de aprovação da companhia, essencial para que o produto ganhasse viabilidade comercial.

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O hype em torno da Power Glove foi gigantesco. Está lembrando de como alguns brinquedos da Hot Wheels (marca da Mattel) mostravam uma usabilidade perfeita, capaz de impressionar qualquer criança, mas que na prática a coisa era totalmente diferente? Bom, o mesmo aconteceu com a Power Glove. A demonstração da luva no filme o "Genio do Videogame" convencia qualquer um. Mas a realidade era outra. A calibração nada prática e a experiência entregue, com atraso na ação pela luva e a resposta em tela, escancararam o que a Power Glove realmente era: um produto inacabado.

A luva era compatível com os jogos do catálogo do NES, mas apenas dois títulos foram lançados especificamente para extrair todo o potencial da luva: Bad Street Brawler e Super Glove Ball, que era o jogo "cartão de visita" para apresentar a luva.

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O hype até que fisgou muita gente no início, a luva surfou no bom momento da Nintendo na época. Mas nada resiste a má reputação que o produto foi ganhando assim que as pessoas começaram a testar e ver que a propaganda é uma coisa e a usabilidade real é outra. Mais de 1.3 milhão de unidades da Power Glove foram vendidas. Mas não tinha jeito. O projeto chegou ao fim da linha.

O fim de jornada comercial (descontinuado em 1990) não encerrou completamente a caminhada da Power Glove no imaginário popular. A luva virou um tremendo ícone cult, com aparições em filmes e séries de TV, e até mesmo algumas histórias folclóricas, como a versão da Power Glove que teria sido encomendada por Michael Jackson.

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Até mesmo no sentido prático o acessório ganhou uma sobreviva. Entusiastas mundo a fora modificam a Power Glove para que ela possa exercer outras funções. Entre os exemplos, temos a luva sendo utilizada para controlar drone, e, mais recentemente, a luva virou até um controle para o PlayStation 5.

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A Power Glove falhou como produto, mas contribuiu para que muitos gamers na década de 90 olhassem o mercado de jogos como algo realmente transformador e marcante.

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William R. Plaza #WrP

Editor-chefe do Hardware.com.br, integrante do staff do GameVicio, e aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Instagram: @plazawilliam

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