Crash Bandicoot: aprendendo com os erros, há espaço para um jogo inédito

#Artigo Publicado por Anônimo, em .

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Em 1996, um ano depois do lançamento do primeiro PlayStation, Crash Bandicoot fez sua primeira aparição em um comercial. Era um cara numa fantasia estacionando nos escritórios da Nintendo e fazendo um discurso inflamado em um megafone. Na sua fala, o marsupial discorria sobre o quão superior ao italiano bigodudo ele era. Essa propaganda, que mais tarde se tornou icônica e uma brincadeira na indústria, deu o tom e a personalidade ao personagem que por muitos é considerado o mascote da era PlayStation.

Em uma bagunça de direitos autorais, o jogo que deu origem a hoje um dos mais importantes estúdios vigentes, a Naughty Dog, se perdeu e acabou caindo na mão de desenvolvedoras que pouco se importavam com a persona do Crash. A propriedade intelectual do mascote era da Universal, que na época era comandada por Mark Cerny, hoje chefe da divisão de hardware do PS4 e diretor de Knack. Em uma aquisição hostil da empresa de investimentos Vivendi, o Crash acabou indo para a Sierra, que anos depois foi comprada pela Activision, sob a tutela da Vivendi. (Sim, é uma bagunça.)

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No meio dessa zona, tivemos títulos que os fãs da série (e eu me incluo nisso) até gostam, como Twinsanity, que tinha um conceito legal e foi desenvolvido por um bom time, a TT's Studio, hoje responsáveis pelos jogos da série LEGO. Mas os anos foram passando e tivemos verdadeiros desastres, como Crash of the Titans e Mind over Mutant. Como se não bastassem tatuagens tribais e um design bizarro para a máscara, ele desvirtuava os conceitos originais da série: o golpe principal do Bandicoot eram socos, ao invés de girar, por exemplo.

Depois desses dois desastres seguidos, em outubro de 2007, a Activision abandonou Crash. Nove anos sem mencionar o personagem, o mascote do PlayStation, ícone de uma das maiores desenvolvedoras de todos os tempos, caiu no esquecimento. Finalmente, a Sony e a Activision se juntaram para satisfazer a vontade dos fãs: juntamente com a Vicarious Visions ambas entregaram um remake completo, desde as músicas aos gráficos dos três títulos originais do Bandicoot.

As novas versões estão se consolidando como um enorme sucesso e aí voltamos a um velho questionamento: teremos um game totalmente inédito de Crash? O que há de errado com os jogos da série não desenvolvidos pela Naughty Dog? Para mim, isso é basicamente um erro das novas desenvolvedoras em traduzir a essência do personagem.

Era uma vez um Bandicoot

Mas essa história de amor e ódio se inicia muito antes dos comerciais enfadonhos, de toda a glória que os três primeiros títulos tiveram ou da brusca queda e até possível morte do mascote.

Tudo começou no verão norte-americano de 1994, quando a Naughty Dog já completava uma década de vida, mas ainda era uma empresa com apenas dois jovens funcionários, Andy Gavin, de 24, e Jason Rubin, de 25 anos. Ao longo dos oito anos anteriores a dupla de desenvolvedores tinha publicado seis jogos sem nenhum destaque. Era chegada a hora de expandir. Nesse momento a desenvolvedora vendeu todas as suas propriedades intelectuais para a Universal Studios e com o dinheiro contratou mais algumas pessoas para o estúdio e se mudou para Los Angeles (uma loucura e um risco e tanto, visto que eles eram um estúdio pequeno, apostando todas as fichas ao começar do zero em uma nova cidade…).

Jason e Andy colocaram os computadores na carro e partiram em direção ao novo estúdio e a um sonho, os dois discutiram por três dias qual seria o próximo projeto que iriam desenvolver. Na viagem de Boston para Los Angeles a dupla fez algumas paradas em fliperamas e eles não puderam deixar de notar que muitos jogos já haviam começado a fazer a transição para a renderização em 3D. Após a viagem, o consenso dos dois foi que games de luta não funcionavam bem em 3D, enquanto os de corrida pareciam já fazer parte desse universo. Andy, por sua vez, achou curioso que ninguém tinha tentado fazer um título em 3D do gênero amplamente mais popular da época, o plataforma de mascote!

Então, Jason e Andy se juntaram com Dave Baggett e o prodígio Mark Cerny, que já havia trabalhado em Sonic The Hedgehog 2, e começaram a programar aquele que na época era conhecido como "Sonic's Ass" e mais tarde seria conhecido como Crash Bandicoot.

Inicialmente o nome de projeto do jogo era Sonic's Ass: eles notaram que os jogadores iriam passar muito tempo olhando para o traseiro do mascote e, como Cerny havia trabalhado em Sonic e Crash também seria um animal, eles decidiram nomear assim.

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Crash 1, 2 e 3 foram sucesso de público e crítica; eles estão na lista dos mais vendidos do primeiro Playstation e chegam a ter média 91 no Metacritic. A franquia também foi vanguardista em uma série de práticas hoje comuns na indústria: para chegar nos visuais impressionantes para a época, os designers precisaram fazer diversas manobras, uma delas foi esconder cenário com mais cenário, algo que pode parecer estranho, mas funciona. Em uma série de 16 artigos com mais de 36 páginas, o criador do Crash, Andy Gavin explica essa manobra técnica.

Em Crash Bandicoot os cenários quase sempre são subidas e com muita vegetação nos cantos. O motivo de ser assim é porque, ao colocar ladeiras e vegetação, os desenvolvedores conseguiram tampar coisas distantes do cenário e assim desenvolveram uma técnica para diminuir o número de polígonos em tela. Dessa maneira, eles escondiam uma porção grande de polígonos atrás de um grande polígono próximo da tela, facilitando a renderização para o console.

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Em uma entrevista para um documentário, Gavin revelou que em dois anos, entre o primeiro e o terceiro Crash, eles conseguiram fazer ainda mais maravilhas técnicas e elevar o nível da indústria:

Em Crash 1 o jogador conseguiria ver até sete metros em sua frente, em Warped [o terceiro título] esse número subiu para 700 metros.

Eles também foram pioneiros no uso de arte conceitual para criar cenários e personagens. Hoje é completamente inimaginável desenvolver um jogo sem isso, mas na época era uma prática bem rara. No painel de 21 anos da franquia na E3 2017, Bob Rafei - um dos desenvolvedores - explicou isso:

Uma das coisas que deixou o jogo especial, é algo comum hoje na indústria. Isso porque hoje ninguém é louco de não fazer artes conceituais, mas na época era incomum e nós tínhamos designers conceituais que nos ajudaram a criar esse visual orgânico que se tornou a base dos títulos da Naughty Dog hoje.

No mesmo painel, Mark Cerny contou um pouco sobre como foi doloroso elevar a qualidade técnica com um time de pouquíssimas pessoas e poucos computadores. Eles usavam o Photoshop para construir fases e, assim, eles olhavam o valor RGB dos pixels em formas geométricas; por conta disso, Crash nunca teve uma fase na lava: a cor do magma coincidia com o laranja do modelo do personagem, e nesse caso, o computador confundiria os dois elementos.

Cada fase do primeiro jogo demorava, em média, oito horas para ser renderizada. "A primeira fase que ficou pronta e chegou a versão final foi a quinta e o processo de criação demorou seis semanas," adicionou Cerny.

Síndrome da banda cover

Mas se a franquia foi tão revolucionária tecnologicamente, vendeu milhões de cópias e teve uma boa recepção da crítica, por que Crash caiu no esquecimento?

Aqueles personagens eram amados e adorados (eu mesmo tenho dois bonecos deles na minha mesa neste momento), mas assim que demos o salto para o Playstation 2 a Naughty Dog foi comprada pela Sony e os direitos do personagem ficaram com a Universal. E daí veio o declínio: outras desenvolvedoras tentaram fazer novos títulos do Crash, mas nunca conseguiram chegar ao menos perto da qualidade dos jogos feitos pela criadora original. Algo estava errado. A essência de Crash Bandicoot havia sido perdida na tradução.

Isso é o que chamam de "síndrome da banda cover":

Uma banda cover nunca vai ser tão boa quanto a original, não porque eles têm menos talento ou qualquer coisa do tipo (apesar de ser o caso muitas vezes). Mas porque não importa o quanto eles pratiquem, o que eles vão tocar sempre será uma projeção do que aquilo significa para eles e não o que significa de verdade, apenas uma sombra. O que faz de uma música incrível não são exatamente as notas ou a letra, mas a forma como ela é tocada, os trejeitos da banda, as histórias e tudo que levou a criação dela…

O que faz de Crash Bandicoot icônico não são as TNTs ou o aspecto insano, o que faz de Crash Bandicoot icônico é que ele é o retrato de uma época – a representação dessa geração que ainda engatinhava ao fazer cenários 3D, quando dois novatos chegaram, com os pés na porta, colocando coesão e ambientes únicos a um gênero ainda não existente.

Isso não significa que o Crash não funcionaria hoje em dia, só significa que ele não funcionaria exatamente como era. A gente já viu o Mario ser reinventado diversas e diversas vezes: o novíssimo Super Mario Odyssey, por exemplo; o game continua trazendo as mecânicas e a personalidade clássica do bigodudo, mas adiciona algo novo e aparenta fazer isso com maestria. Crash Bandicoot é a celebração da visão de mundo que os desenvolvedores tinham no final dos anos 90, sua personalidade resume a mentalidade da época e essa é a essência do personagem.

No ano passado, Crash apareceu em uma cena de Uncharted 4, foi algo bem emocionante pra mim, mas o mais importante é o significado que aquela cena tem tanto na história quanto no estado da indústria no geral. Naquele momento, se torna notável que Uncharted é a evolução natural de Crash. Com uma escala muito aumentada e com uma pegada mais séria e sem animais falantes, o título de ação da Naughty Dog ainda carrega muito daqueles preceitos de Crash Bandicoot: muito pautado na diversão, focado na aventura leve e na adrenalina de saltar de um lugar pro outro enquanto ambientes são destruídos. Uncharted, ao meu ver, é a evolução e a transposição do estilo de Crash para uma época onde jogos de mascotes não são mais o gênero em ascensão. Atualmente, as novas franquias pedem por narrativas e algo a mais.

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Como um mero jogo onde pulamos, giramos e, de vez em quando enfrentamos chefes, Crash não pode mais existir. Vivemos uma época onde o gênero de plataforma, apenas como plataforma, já não é tão amado: precisa ter uma mecânica extra que adicione profundidade ao gameplay, um artifício que mude completamente a forma como interagimos com o mundo, ou apenas uma nova forma de abordar as habilidades do marsupial. Crash: Mind Over Mutant tentou adicionar uma nova mecânica ao jogo, mas falhou tanto ao entregar essa nova adição, quanto na essência do personagem.

Em uma nova tentativa de jogo inédito, se ela existir, será necessário aliar a insanidade do personagem com algo novo que motive tanto a nova geração a se interessar por Crash, quanto os saudosistas se identificarem com aquilo que já passou.

E, por mais que meu coração saudosista queira e clame por um novo Crash, talvez seja melhor apenas celebrarmos o passado. Talvez não tenhamos mais espaço para um Bandicoot dançante e seja melhor deixá-lo ir e ficar com as boas memórias que compartilhamos, como um velho amigo que teve que ir embora…

Mas, talvez, diante dos bons resultados do remake, Crash tenha uma chance de ressurgir se adequando ao mercado atual e - que tenham aprendido a lição - sem perder a essência que desafiou o italiano bigodudo naquele comercial de TV dos anos 90.

Anônimo
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