Conto: O Malfeitor da Ilha das Batatas - Parte 2

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Leia a parte um https://www.gamevicio.com/descontracoes/2017/05/conto-o-malfeitor-da-ilha-das-batatas/

Postando a continuação da história

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Capítulo I

No momento em que desembarcaram no porto de Zalpotus, nossos três heróis, e mais um bando de marinheiros sem importância para essa história, foram recebidos pelo comandante da guarda real, Julien Belschato, acompanhado de meia dúzia de soldados. Algo desnecessário se pararmos para pensar. Afinal será que é realmente necessário que alguns soldados recebam três dos mais fortes guerreiros? Bom, eu não entendo como a cabeça de um rei funciona, e a menos que você seja um, você dificilmente vai entender, então deixa pra lá.

Enquanto eram escoltados pela vila em direção ao castelo, nossos heróis eram observados por quase todos os cidadãos. Quase todos, pois havia apenas um que não os observava. Seu nome era Teobaldo. Teobaldo era cego.

Conforme avançavam em direção a seu destino, Voltorus e os demais podiam escutar comentários vindos dos cidadãos:

- Então aquele é o famoso ex membro dos Traiders! - Dizia uma pessoa na multidão.

- Finalmente! Seremos salvos! - Dizia outra pessoa.

- Nossa, o rei deve ter gastado muito dinheiro para contratá-los. - Falava outro cidadão.

- Onde está meu copo de água? - Resmungava Teobaldo, que não fazia ideia que o moleque que saiu para pegar um copo de água para ele, agora só dava atenção aos recém chegados visitantes.

Voltorus olhava fixamente em direção ao castelo, pensando o quão grande seria sua batalha para derrotar o mal presente naquela ilha. Navel, olhava atentamente para a multidão que se formara próximo a eles, ele procurava alguma moça de boa aparência. Certamente seria ela a primeira pessoa que ouviria sua história sobre como derrotara o inimigo, tentaria conquistá-la demonstrando toda sua valentia. Angelina, ao avistar tamanha multidão, olhava para baixo ou então focava os olhos em algo distante. Ela não gostava de ser observada por muitas pessoas, odiava essas situações. Se pudesse, enfiaria a cabeça em qualquer buraco no qual ficasse escondida.

O povo olhava e se admirava com os três guerreiros. Voltorus era alto e forte, com mais músculos no corpo do que cabelo na cabeça. Na verdade seu pouco cabelo ruivo era divido dos dois lados da cabeça. O que ele não possuía de cabelo, ele tinha de barba. Sua barba não era longa, porém possuía grande volume, vestia roupas marrons e elegantes, um grande casaco de pele cobria seu corpo de cima a baixo, permitindo que fosse visto apenas a ponta de suas botas de couro de Zetouro. Como eu já havia dito, era um clichê só.

Navel vestia uma blusa preta, calça branca e uma bota ridiculamente parecida com a de Voltorus. Ele tinha cabelos curtos e espetados, pretos como aquela sujeira que você sempre acha atrás de um móvel. Ele era um pouco mais baixo que Voltorus e sempre carregava o arco na mão esquerda, e uma aljava de flechas em suas costas. Estava sempre atento, pronto para o combate. Ele acenava de maneira idiota e boba para as pessoas. Quem olhasse para sua cara sem saber da história toda, poderia achar que ele já havia derrotado o inimigo e estava ali apenas para receber seu prêmio.

Angelina Demônita tinha cabelos longos e azuis. Era um azul muito parecido com o fundo do oceano, porém, quando refletido pela luz do sol lembrava o céu em um dia tempestuoso. Angelina usava botas longas, calças compridas e uma blusa cheia de bolsos com acessórios. Por cima disso vestia um grande casaco com um capuz que cobria seu cabelo por inteiro. Toda sua roupa, com exceção das botas, era azul. Ela andava de maneira exuberante, apesar de apenas estar pensando em quanto tempo teria que ficar sendo observada por aquela gente. Teobaldo ainda estava com sede, e ainda não havia percebido nada daquilo. O rei por outro lado, já avistava os visitantes chegando por uma janela na frente do castelo e se preparava para recebê-los no portão de entrada. Pois, justamente no portão de entrada, junto de alguns guardas, estava o irmão caçula do rei, Hillian Cryan. Hillian tinha apenas dez anos, mas era um exímio aprendiz de espadachim da guarda real, e com certeza era a segunda pessoa mais ansiosa para conhecer os visitantes que ali chegavam. A primeira era seu irmão mais velho.

Hélio Cryan, o rei, cumprimentava Voltorus, logo em seguida os seus dois amigos:

- Entrem e sintam-se em casa. - Dizia Hélio com um sorriso estampado em sua cara.

Obviamente, nenhum deles possuía uma casa daquele tamanho. Mas apesar disso, Navel sentia como se acabara de voltar de uma viagem, e seu lar estava esperando de portas abertas. Como eu havia dito, Navel era meio babaca. Hillian estava nervoso, não teve coragem de chegar perto de Voltorus, a presença do Decepador era algo especial. Ao invés disso, se escondeu atrás do comandante Julien, que eu havia esquecido de mencionar antes, mas era uma pessoa muito chata. O Decepador tinha um ar de grandeza emanando do corpo, parecia uma aura, algo mágico, era como se sem precisar dizer uma palavra ele estivesse avisando a todos presentes que ele havia chegado. Angelina estava finalmente aliviada da tensão de ser encarada por tanta gente e só queria saber quando iam servir algo de comer. Navel já estava comendo, achara algumas frutas em cima do que parecia ser uma mesa com um banquete, que aliás, parecia ser isso pois era isso mesmo. Angelina, ao ver ele comendo pensou em atacar as frutas também, mas sua boa educação e principalmente sua timidez pareciam duas correntes a prendendo longe da comida. Ao chegar a ponta da mesa, o rei Hélio ergueu uma taça para o alto e gritou:

- Bebamos e comemos, pois estamos salvos! Finalmente nossos heróis chegaram!

Os soldados e alguns criados do castelo gritaram em uma espécie de comemoração. Porém, pelo número de soldados e principalmente de criados presentes próximo a mesa ser pequeno, o tal grito foi bem fraco e até mesmo constrangedor. Julien, o chato, com seus longos cabelos loiros e seu nariz empinado fez uma cara de desgosto. Ele não estava de acordo com a vinda de estrangeiros. Ainda mais se eles viessem para salvar a ilha, Julien achava que podia fazer aquilo sozinho, apesar de nunca ter conseguido sequer ver Alamor. Enquanto todos sentavam para comer, Voltorus se aproximou do rei:

- Onde começo a procurar? - Disse ele com extrema tranquilidade.

- Perdão! Não lhe compreendi. - Respondeu Hélio.

- Onde começo a procurar pelo tal Alamor? Me aponte uma direção. - Falou Voltorus, ainda muito tranquilo.

- Pois não tenha pressa Decepador. - Prosseguiu Hélio - Primeiro prove...

- Com todo o devido respeito majestade. - Interrompeu Voltorus, já não tão tranquilo. - Mas não estou com nenhuma fome no momento, e a única sede que possuo, é de sangue

Sim meu caro leitor, Voltorus adora falar com frases de efeito. Afinal ele é o personagem principal, ele precisa ter um bordão. Ou pelo menos o escritor pensa que ele precisa. Então teremos que engolir essa. Paciência.

O rei Hélio, ao ouvir aquilo, quase se engasgou com a batata assada que acabara de por na boca e tentando falar alguma coisa acabou se engasgando de vez. Nesse momento, alguns sons bem estranhos saíram de sua boca, enquanto um criado tentava lhe ajudar. Navel observava a cena na outra ponta da mesa, imaginando como seria ser um rei. Angelina estava comendo bastante, tão focada na comida não notou nada daquilo. Hillian se aproximou de Navel, que ao seu ver parecia ser o mais simpático dos três:

- Com licença moço...senhor arqueiro... - Disse Hillian com um tremor na voz.

- O que temos aqui? - respondeu Navel - Um jovem rapaz, meio assustado pelo jeito. Não se preocupe meu jovem, aquele senhor de barba ruiva parece um monstro, mas no fundo ele é bem pior. Então coma direito e não faça nada de errado que ele nunca irá arrancar sua cabeça.

Hillian se arrependeu profundamente de ter falado com Navel e voltou correndo para sua cadeira que ficava no centro da mesa. Ele era muito novo ainda, se fosse alguns anos mais velho teria pensando algo em relação a Navel, como "que babaca'' ou então "esse cara deve ser muito babaca'' ou qualquer coisa relacionada com babaca, pois era isso que Navel era. Angelina, já satisfeita, notou a cara de espanto do garoto Hillian e olhou com apreensão para ele, quando percebeu que ele havia olhado de volta, ela desviou o olhar para qualquer lugar que não fosse os olhos dele.

- Desculpe moça - Disse Hillian para ela. - A senhorita está bem?

- Sim, não se preocupe. - Respondeu ela, ainda olhando para uma faca em cima da mesa - E você? Parece amedrontado.

- Não tenho medo! - Hillian era muito teimoso para ser chamado de medroso - Apenas sou... acho o senhor Voltorus muito legal, e fiquei meio nervoso.

Angelina sorriu, e olhou para o garoto:

- Não se preocupe, ele tem essa cara de mau, mas no fundo é um homem muito bondoso. - Falou ela.

Ela desviou o olhar para frente e notou um quadro gigantesco aonde três jovens apareciam vestindo belas roupas, Angelina logo percebeu que um deles era o jovem Hillian.

- Quem são aqueles com você? - Questionou ela.

- São meus irmãos. Hélio, que agora é rei, e Hector, meu irmão mais velho.

- Aquele que ateou fogo nas plantações?

- Sim... ele mesmo. - Hillian respondeu hesitando.

Nesse momento Voltorus já havia escutado o que queria do rei e passava atrás de Angelina em direção a saída.

- Vou fazer uma busca, comam e descansem. - Disse ele olhando para Angelina e Navel.

- Você deve saber que eu não iria de qualquer jeito. - Navel falou com um ar de deboche.

Entende o porquê de eu não gostar muito dele? Angelina estava se levantando para acompanhá-lo, porém Voltorus lhe lançou um olhar:

- Não se preocupe Demônita. - Era assim que Voltorus a chamava - Eu apenas irei investigar a região. Não pretendo entrar em combate.

Ela sentou novamente. Voltorus saiu pela porta da saída, pois essa era a porta que dava na saída do castelo, como o nome supunha. O rei Hélio ainda não entendera completamente a pressa de Voltorus, mas nem por uma plantação perfeita de batatas reais ele iria tentar pará-lo.

Navel estava comendo sem nenhuma pressa, ainda perdido nos pensamentos de ser rei. De repente, algo lhe chamou atenção. Era um sujeito bem baixo que entrara na sala de jantar de maneira apressada. O sujeito vestia uma roupa azul, e tinha um cabelo estupidamente ridículo. Parecia que haviam colocado um penico em sua cabeça e cortado o tanto de cabelo que ficara de fora. O sujeito se aproximou do ouvido do rei e lhe sussurrou algumas palavras. Palavras que fizeram o rei mudar de expressão rapidamente: da cara de bocó para cara de preocupado. Ao ver, isso Navel sentiu-se intrigado. O rei Hélio então se levantou:

- Perdão meus caros convidados. - Disse com a mão levantada - Terei que me ausentar por um tempo. Sintam-se a vontade para fazerem o que quiser.

Após dizer isso, saiu junto com o sujeito baixinho com cabelo de penico pela mesma porta que o tal sujeito entrara alguns segundos atrás. Navel era do tipo curioso, olhou para Hillian:

- Ei garoto, o que é que aconteceu? - Disse ele olhando para o jovem.

Hillian ficou surpreso por ser chamado pelo sujeito babaca de roupas pretas. Por um momento achou que estivesse ouvindo coisas. Essa dúvida acabou passando no momento que Navel lhe atirou uma batata cozida na cabeça:

- Eu não tenho certeza. - Respondeu Hillian coçando a cabeça - Mas deve ser a rainha.

- Rainha? A mulher do rei? - Disse Navel - Pois não me diga que aquele bocó é casado?

- Meu irmão não é nenhum bocó! - respondeu Hillian com certa raiva no olhar - Ele apenas é meio desajeitado! E não di....

Uma outra batata acertou a cabeça de Hillian. Navel não gostava muito de crianças ou adolescentes, isso porque ele geralmente se comportava como um. Navel, apesar de babaca era muito sagaz e já estava tentado descobrir o motivo de uma informação sobre sua esposa ter deixado o rei tão preocupado. Será que ela foi pega no flagra com outro? Não, pensava Navel. Se fosse isso o rei certamente não ligaria, pois bocó do jeito que era já esperava que algo do tipo acontece-se. Teria de ser algo inesperado ou talvez, sua esposa acabara de descobrir que estava casada com um completo bocó e fugira ou então se suicidara? Não. Se fosse isso, certamente ele teria feito cara de triste. Porém, foi apenas uma cara de bocó espantado. Navel concluiu então que a esposa do rei estava doente, ou até correndo risco de vida. Certamente era isso. Navel fazia uma cara de idiota quando seus pensamentos aleatórios conseguiam, segundo ele, decifrar um enigma. Ele se achava mais inteligente do que realmente era, mas isso era normal para uma pessoa babaca.

Julien percebeu a cara de idiota de Navel, assim como a fome apavorante de Angelina. Concluiu que os dois serviam apenas para carregar as coisas para Voltorus. Também se imaginou em uma luta contra o ex membro dos Traiders, e na sua cabeça, venceria o Decepador sem sequer ser atingido. Pensava nisso tudo enquanto se retirava da sala em direção a seus aposentos, pois já passava da hora de sua soneca da tarde.

Angelina estava comendo mais, pensou estar cheia mais cedo, mas era apenas seu estômago lhe pregando uma peça. Sequer notou o tal sujeito pequeno com cabelo de penico falar com o rei. Muito menos notou o jovem Hillian, desmaiado por conta de uma batatada na testa.

Voltorus já não usava mais seu grande casaco, havia o deixado próximo ao castelo onde achara o cavalo que estava montando. Sem o casaco, era possível ver seu colete e suas calças de cor marrom. Como eu havia dito anteriormente, um verdadeiro clichê. De onde estava no momento, podia ver a vila. Agora, ela parecia diferente do momento em que chegara e era escoltado pelos guardas. Agora, todos os cidadãos estavam trabalhando nas muitas e muitas plantações de batatas.

A quantidade de quilômetros quadrados de plantações era mais ou menos quase que a ilha por inteiro. As únicas partes que não tinham plantações eram o castelo, as regiões montanhosas e o porto. Falando em porto, os marinheiros do barco estavam comendo no castelo, em uma sala de jantar exclusiva para funcionários. E essa é a última vez que falarei sobre eles. Voltando as plantações, todos estavam trabalhando sob um sol forte, que faria até o mais resistente dos homens pedir para tomar uma água. Porém, havia um homem que estava sem sede. Era Teobaldo, isso porque finalmente tomara sua água. Voltorus passou pela vila e ia em direção a região montanhosa da ilha.

Enquanto passava pelos cidadãos trabalhando nas plantações notou algo incomum: a cada quilômetro de plantação, haviam dois ou três sujeitos armados. Esses sujeitos lembravam os guardas do castelo, porém pareciam mais fortes e Voltorus imaginou que eles eram responsáveis por manter a ordem nas plantações. Porém havia algo diferente naqueles sujeitos, mas Voltorus estava com pressa, e não tinha tempo para pensar nisso agora. Estava se aproximando da região montanhosa da ilha. Segundo o rei, foi até lá que os guardas seguiram o rastro de Alamor da ultima vez que ele atacou.

A região montanhosa da ilha tinha algumas montanhas. Isso era mais do que óbvio, mas como você notou, eu gosto de fazer essa piadinha. Por conta dessas montanhas, era impossível cultivar batatas lá. Portanto, o rei Trapz Cryan, avô do atual rei, decretou que era proibido viver e até mesmo ir para aqueles lados da ilha. Isso porque para ele, qualquer atividade que não envolvesse plantar batatas era inútil. E era esse o motivo do soldado responsável pelo posto avançado que ficava mais próximo das regiões montanhosas ser Harold. Harold era inútil. Na verdade, ele era útil para uma coisa: dormir. Se dormir fosse um trabalho que pagasse bem, Harold já seria milionário. O posto avançado que ficava mais próximo à região montanhosa só foi construído para que Harold ficasse afastado da vila. Harold era, além de inútil, muito desastrado. Ele sempre quis ser um plantador de batatas, porém na sua primeira vez plantando, acabou por um engano quase que ridículo, plantando seu tio Teobaldo. Desde então, ele foi "promovido'' a guarda do posto e sua primeira e única missão era guardar o posto avançado que ficava mais próximo da região montanhosa. E nem isso ele fazia direito.

Voltorus entrou na cabana do posto avançado e lá estava Harold,sentado com a cabeça repousada em seus braços que estavam sobre a mesa. Ele estava dormindo:

- Olá! O rei me disse que você me ajudaria - Disse Voltorus, com um tom de voz alto.

Harold tinha o sono pesado:

- Soldado! Estou falando com você! - Continuou Voltorus, um pouco mais agitado.

Nada de Harold sequer se mover. Voltorus então encontrou um pequeno balde cheio de água, agarrou-o, caminhou na direção do soldado e lhe virou metade da água na cabeça. Harold levantou espantado:

- O navio está afundado - Gritou enquanto pulava a mesa e corria em direção a janela - Salvem se! Homem ao mar! - E pulou para fora.

Voltorus não sabia ao certo como reagir aquilo. Então decidiu sentar e tomar um gole de água:

- Não é possível! O Oceano está seco! - Gritava Harold do lado de fora - Estamos condenados!

Voltorus tomou o resto da água. Pensou se aquilo era uma piada, ou apenas um completo idiota agindo normalmente. A porta se abriu:

- Em que posso lhe ajudar senhor? - Disse Harold com uma cara séria demais para o que ele acabara de fazer - O senhor tem assuntos a tratar aqui?

- Sim! - Voltorus largou o balde no chão e olhou para o soldado. - Eu preciso de sua ajuda para achar Alamor.

- ALAMOR? - Gritou Harold espantado - Mas por que o senhor ia querer achá-lo?

- Não é óbvio? - Disse Voltorus se levantando - Eu preciso achá-lo para poder acabar com sua raça.

Harold engoliu seco e pegou sua espada, que por sinal, não possuía fio. O soldado que lhe deu disse que verdadeiros guerreiros não cortavam seus inimigos, ao invés disso, derrotavam seus inimigos com sabedoria. Harold era burro, e nunca derrotara ninguém.

Calçou as botas e olhou para Voltorus:

- Como o senhor disse que se chama mesmo? - Perguntou Harold.

- Eu sou Cristian Voltorus, o Decepador de cabeças de tundra e vim aqui para eliminar Alamor a pedido do rei. - Voltorus gostava de se vangloriar.

- Decepador? - Harold devia ser a única pessoa da ilha que não sabia que o rei havia chamado heróis de fora para salvar o lugar - Então o senhor é o famoso ex membro dos Traiders? É uma honra senhor! Eu sou Harold de Sinagogo, primeiro e único soldado do posto avançado da região montanhosa. Ao seu dispor! - Harold estava muito entusiasmado.

- Você calçou as botas ao contrário soldado. - Disse Voltorus se dirigindo para a saída.

- Sim senhor! - Harold era realmente burro - Se é o senhor quem fala eu trocarei elas agora mesmo.

No castelo, dentro de um quarto com algumas camas, se encontrava Navel. Ele entrara ali pois seguiu o rei e o sujeito bem baixo, que a pouco havia chamado o rei, os dois entraram no quarto ao lado do qual Navel se encontrava. Navel estava concentrado apoiando a orelha contra a parede tentando ouvir o que era dito no quarto ao lado. Porém, as poucas palavras que conseguiu distinguir dos muitos barulhos que ouvira foram "não acredito'', "ela deve estar piorando'', "idiota'' e "acho que preciso ir ao banheiro, com licença''. Após ouvir essa última, ouviu também a porta ao lado abrindo e fechando, espiou rapidamente pela fresta da porta do quarto em que se encontrava e conseguiu enxergar o rei caminhando apressadamente pelo corredor. Notou a porta ao lado abrindo novamente e se escondeu. Após a porta fechar, voltou para a fresta e viu o sujeito bem baixo indo na direção oposta do corredor. Essa era sua oportunidade. Saiu furtivamente do quarto em que estava e tentou abrir a porta do quarto ao lado, conseguiu:

- Mas o que você acha que está fazendo? - Ouviu uma voz falando baixo atrás dele. Pôs a mão em sua faca, pronto para arremessá-la na direção da voz, porém quando virou a cabeça, viu Angelina andando em sua direção.

- Você quase morreu. - Resmungou ele.

- Pois você vai morrer se o rei te pegar aqui. - Revidou ela.

- Pois isso seria impossível, agora me siga e vamos ver o que há escondido aqui.

Navel abriu a porta e o dois entraram no quarto. Era o quarto real, o ouro e a decoração incrivelmente exagerada demonstravam isso. Havia uma grande cama com um lençol vermelho e deitada nela estava uma mulher. A mulher de trajes brancos e cabelos loiros estava dormindo, ou talvez morta. Eu digo isso pois realmente ela pode estar morta. Talvez desmaiada, mas sinceramente, dormindo ela não estava e todos sabemos disso. Afinal que idiota que dorme a essa hora do dia?

- Há algo muito errado com ela. - Disse Angelina angustiada. Ela sentia uma presença maligna dentro daquele quarto, o ar era pesado e ela sentia uma sensação de desconforto. Navel estava nesse momento tocando na mulher:

- É a rainha. - Disse ele - Ela parece estar doente ou talvez enfeitiçada. Vamos sair daqui antes que alguém apareça.

Já de volta a sala de jantar, Navel e Angelina pensavam no que acabaram de ver nos aposentos do rei, o pobre Hillian ainda estava desacordado por causa da batatada e o rei ainda não havia retornado:

- O que você acha? Por que ele não nos contou que sua mulher está nesse estado? - Questionou Navel - Eu sabia que havia algo a mais nessa história toda. Devíamos cobrar mais pelo serviço.

- Você só pensa em dinheiro. Nem sabe se o problema da rainha tem relação com o que viemos fazer aqui. - Respondeu Angelina um pouco incomodada.

- Não é o dinheiro e sim a glória. O dinheiro é apenas uma maneira de medir o quão glorioso o trabalho é. E se a vida da rainha depende de nós, o rei deveria nos oferecer muito mais do que ofereceu.

Navel na verdade só gostava de reclamar de tudo. Nada era bom o bastante para ele, portanto sempre iria achar um motivo para reclamar do prêmio que estava prestes a ganhar.

- Eu vou atrás do barbudo... - Navel não chamava Voltorus pelo nome. - ...quero contar a ele o que vimos. Você vem?

- Vou sim, talvez ele já tenha encontrado Alamor e precise de ajuda. - Respondeu Angelina.

- Angel, você sabe que aquele velho não precisa de ajuda para nada. Vamos logo!

Os dois seguiram em direção à entrada do castelo. Ou saída do castelo, dependendo do ponto de vista.

- Perdão senhor, mas como era ser um Traider? - Harold era muito curioso. Voltorus olhou seriamente para o rapaz, olhou novamente para frente e seguiu caminhando.

- Quero dizer... eles são os maiores guerreiros do norte. Muitos dizem que são os mais fortes de Lionam e... - Harold foi interrompido pelo ex Traider.

- Pois eles estão errados. - Disse Voltorus com uma raiva na voz, como de costume - Os Traiders não são os mais fortes, e sim os mais valentes. E há idiotas que confundem valentia com força. Talvez esse seja o engano. E se tratando de força, não esqueça daqueles bastardos miseráveis do leste. - Cuspiu no chão para representar o ódio em suas palavras.

Voltorus se referia ao reino mais longínquo localizado no Leste de Lionam. Na verdade, não era um reino e sim um império. Império Erantor, ficava no maior continente de Lionam, Excelcius. Posso dizer que são o povo mais odiável do mundo. Mas sequer preste atenção nisso, porque eles não aparecem nessa história.

- Desculpe senhor. Mas... - Harold prosseguiu com medo de que Voltorus se irritasse e o atacasse - é... por que o senhor deixou os Traiders?

- Porque já estou velho demais para ser um herói do Norte. Me diga, é aqui o local que havia mencionado?

Voltorus e Harold haviam parado em um local próximo a entrada de uma caverna, que segundo Harold, seria o lugar perfeito para Alamor se esconder:

- Sim senhor! - Respondeu o soldado.

- Por que nunca fizeram buscas nessa caverna? - Perguntou Voltorus apontando para a entrada do lugar.

- Senhor! Acredito que o rei não creia que seus soldados sejam capazes de derrotar Alamor. Dizem que ele está em forma de espírito e que é impossível golpeá-lo.

- Mas que baboseira tremenda. Até mesmo espíritos podem ser derrotados. Basta ter o conhecimento para fazê-lo. - Voltorus começou a caminhar em direção a entrada da caverna. - Espero que essa história de espírito seja uma lenda, pois espíritos não sangram. E eu desejo ver o sangue desse desgraçado.

- O senhor pretender entrar ai? - Harold engoliu seco. - Pois acho melhor eu voltar ao meu posto senhor! - Disse ele fingindo que voltar era um ato de bravura. - Tenho muitos deveres a cumprir.

- Pois bem soldado, se não deseja ver esse infeliz ser destruído, pode voltar. Obrigado pela ajuda. - A voz de Voltorus ia ficando mais baixa enquanto ele adentrava a caverna.

Aquela caverna, meu caro leitor, não era nada demais. Era como qualquer outra caverna. Era escura, feita de rochas com alguns morceguinhos aqui e ali. A luz que vinha da entrada mal ajudava a enxergar dez metros a frente. Voltorus desejou que Angelina estivesse ali para lançar um feitiço e iluminar o lugar, porém aos poucos seus olhos se acostumaram com a penumbra. O corredor da caverna era um pouco estreito, porém era alto de maneira que alguém muito gordo poderia ter alguma dificuldade em se mover ali, enquanto uma pessoa muito alta acharia aquela estrutura ridiculamente planejada para si. Enquanto adentrava o local, Voltorus estava com a sensação que sua presa estava de fato ali. Chegou até uma bifurcação, um caminho em sua frente e outro em uma entrada um pouco a esquerda que ficava elevado se comparado ao chão da caverna. Parecia um caminho secreto, ou talvez um esconderijo. Voltorus saltou e entrou nele. Era na verdade um corredor baixo e mais estreito. Se agachou e prosseguiu por ai.

Eu poderia narrar a grande aventura de Voltorus dentro daquele corredor estreito, mas a verdade é que o corredor não dava em lugar algum, alguns minutos depois de entrar, ele já havia retornado a bifurcação. Uma perda de tempo e talvez, eu deveria ter pulado essa parte da história por simplesmente não contribuir em nada para o desfecho. Mas se fizesse isso você não iria perceber que até mesmo os heróis tomam decisões erradas, o importante é saber quando desistir. Afinal eu conheço certas pessoas que ao invés de voltarem iam tentar perfurar o caminho estreito até chegar em algum lugar. Mas Voltorus apesar de muito confiante, sabia admitir quando havia errado, e isso fazia dele uma pessoa muito menos babaca do que Navel, por exemplo.

Voltorus caminhou por cerca de cinco minutos após entrar no caminho de baixo da bifurcação e foi parar em um certo lugar. Era um grande espaço que parecia o centro da montanha. Não era mais um corredor e sim um vasto espaço dentro da caverna. O teto ficava uns dez metros do chão e o diâmetro do lugar era de mais ou menos uns quarenta metros. Porém o chão não era mais plano e haviam certas partes mais elevadas, além de alguns buracos. Ao olhar para um deles, o Decepador não enxergava absolutamente nada. Concluiu que se caísse ali, morreria certamente. O lugar era um pouco mais iluminado, pois raios de sol entravam por algumas brechas na parte de cima, conhecida também como teto. Voltorus ouviu um barulho de passos indo em sua direção. O som vinha do corredor do qual saíra a pouco. Pensou em sacar sua espada, porém rapidamente reconheceu os passos. Era Navel.

Navel era muito rápido e havia deixado Angelina para trás. Logo que saiu do corredor avistou Voltorus:

- Barbudo! O soldado da espada sem fio me disse que estaria aqui. - Dizia Navel enquanto subia em dos lugares elevados do lugar. Ele gostava de se sentir superior e estar em um lugar acima de Voltorus o fazia se sentir assim. - Por acaso você já matou nosso querido amigo Alamor?

- Onde está Demônita? - Perguntou Voltorus enquanto examinava outro buraco no chão.

- Deve estar chegando daqui a pouco. Parece que você nem o achou ainda não é? Que sorte, talvez eu o derrote antes de você.

- Tome cuidado Navel! - Voltorus ficou sério. - Algo está vindo!

Navel sentiu também e preparou seu arco. Ele teve um pouco de azar naquele momento ou talvez alguém o puniu por ser tão babaca. Pois foi justamente por estar em um lugar mais elevado que ele foi atacado. De um buraco, atrás de onde o arqueiro estava, surgiu a criatura. No momento que a percebeu, já era tarde, Navel havia sido atingindo pelas garras afiadas que cortaram seu peito. Saltou para trás na direção de Voltorus que, ao mesmo tempo, saltou a frente na direção da criatura. Voltorus brandiu sua espada da direita para a esquerda visando golpear a criatura no pescoço. Uma flecha disparada por Navel cruzou zunindo o seu ouvido e obrigou a criatura a apará-la com um dos braços. Pois foi justamente este braço que encontrou a lâmina de Voltorus. Apenas a ponta da espada o acertou, ferindo, mas não decepando o braço. Tudo aconteceu muito rápido. A criatura então recuou enquanto Voltorus, já em cima do lugar elevado, olhava rapidamente para Navel para saber seu estado. O arqueiro estava ferido e sangrava. Haviam quatro cortes em seu peito, porém não era um ferimento mortal:

- Eu estou bem, se concentre no inimigo! - Berrou para Voltorus.

O inimigo era uma espécie de lobo, com braços fortes como os de Voltorus e patas compridas e finas. Era como se um lobo tivesse suas patas esticadas e seus braços treinados para levantar uma casa. E além de tudo, ensinaram o lobo a andar em duas patas. E alguém certamente havia feito algo muito grosseiro para ele, pois sua face, repleta de dentes afiados, demonstrava uma fúria indomável. Enquanto mordia os dentes e rosnava, saliva escorria da boca até o pescoço. Era algo meio nojento de se ver, mas talvez ele fazia de propósito para todos perceberem o quanto estava furioso. Ele encarava Voltorus que devolvia a encarada com quase a mesma fúria na face. A fúria de Voltorus seria a mesma, se ele também deixasse escorrer alguma saliva pelo rosto. Mas esse não era o caso.

Voltorus nunca havia visto uma besta desse tipo. Lembrava um pouco os homens e mulheres da tribo Lobus. Era uma tribo de caçadores que se vestiam com pele de lobos e outros caninos. Porém, eram humanos e humano era uma coisa que esse inimigo não era.

- "Talvez seja Alamor transformado em besta'' - Pensou Voltorus.

E meu caro leitor, talvez seja Alamor mesmo. Mas logo saberemos se era ou não. Agora, me de licença que preciso ir ao banheiro. Nos encontramos no próximo Capítulo.

Dependendo da resposta penso em postar a continuação outro dia.

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Luciano
Luciano #Docpeixe
, Giruá, Rio Grande do Sul, Brasil
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