Dota 2 História : Mortred the Phantom Assassin

#Artigo Publicado por kundunocz, em .

QUESTIONAMENTOS FANTASMAS

Primeiro foi o irmão caçula. Encontraram-no sentado em seu trono, banhado em sangue vermelho vivo, cercado por uma poça que jazia de seu corpo. Em suas mãos, um pergaminho, cujo conteúdo perdera-se em manchas escarlates respingadas por um golpe fatal. Um único corte diagonal extremamente profundo, com precisão cirúrgica em seu peito, tirando-lhe não apenas a vida, mas também seu diadema de realeza, que jazera caído no chão. Ficará ali até o corpo ser encontrado por um servo.

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Segundo foi o irmão do meio. Quase caiu por inteiro da torre mais alta do palácio, não pela tentativa de se jogar de lá, mas por um corte em seu corpo, exatamente no meio. Após o golpe, o homem deu seus últimos passos para trás, chegando ao parapeito da janela para sentir seu corpo dividir no primeiro toque. Enquanto a parte superior do tórax caía de uma altura incalculável pelo breu da noite, a parte inferior foi deixada para trás, esvaziando-se de sangue e vida.

Agora só restara ele, o primogênito. Sabendo que as Irmãs do Véu viriam busca-lo, escondera-se no fundo da adega mais profunda do palácio, colocando quase todos os guardas patrulhando a entrada e os arredores. Temia a morte como nunca temeu em seus 45 anos, e com razão. Numerosas e trágicas eram as histórias de assassinatos que se espalhavam por todos os reinos e vilarejos. Boca a boca, ouvido a ouvido.

De poderosos reis à humildes servos, de temidos guerreiros a pobres coveiros, as tentativas de se encontrar um padrão ou sequer uma conexão entre as varias vítimas das Irmãs acabaram em fracasso. Os alvos pareciam ser completamente aleatórios, ao ponto de se especular que, de fato, não havia um padrão nem um motivo: as irmãs do Véu matam pelo simples gosto de matar. Poucos compraram essa ideia, pois se este fosse o caso, porque matavam apenas alguns indivíduos e ocasionalmente quem tentasse os proteger? Se tinham gosto em matar, porque não faziam uma chacina antes e após eliminar o alvo principal?

Não obstante, em meio aos fatores variáveis, haviam elementos constantes nas histórias das Irmãs de Véu. Não raro empalavam a vítima com uma adaga banhada num poderosíssimo veneno incapacitante, impedindo qualquer retaliação. Poucas testemunhas chegaram a ver o veneno em ação, mas os poucos relatos convergem descrevendo a vítima, não importando sua saúde e porte físico, tornando-se incapaz de realizar qualquer movimento brusco na região atingida. Em pouco tempo, o corpo todo estava endurecido, recusando-se a obedecer quaisquer desejos de fugir com toda a velocidade ventos do norte.

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Esse veneno, graças a seus temidos efeitos, foi muito cobiçado por diversas potências políticas e militares. Porém, ele nunca fora replicado com sucesso; poucos conseguiram extrai-lo do sangue de uma vítima para estuda-lo e as amostras sempre se apresentavam impuras. Nas tentativas de se replicar o veneno, os resultados dos experimentos variavam de misturas inofensivas a venenos de efeito extremamente lento e de pouco uso prático no calor de uma batalha.

A substância por fim tornou-se um dos maiores e mais letais mistérios das Irmãs do Véu, sendo vencido apenas por suas técnicas impecáveis de batalha. Uma vez a vítima rendida aos pés da Irmã, tudo que restava era o golpe final. Sempre um único e mortal golpe feito com uma precisão perfeita, quase divina, que não raro banhava todos os arredores da cena com sangue fervente e entranhas pulsantes. Nenhum guerreiro, mesmo com anos e anos de treinamento rigoroso, conseguia aplicar um golpe de tamanha fatalidade e quando atingia um patamar semelhante, faltavam-lhe a graça e a perfeição lendárias das Irmãs do Véu.

Janus tomou um gole de sua garrafa de vinho premiado, presente de um velho amigo, dono da taverna Toca do Lobo. Um vinho das uvas mais raras e bem cultivadas da região, ele simbolizava boa sorte quando presenteado a um amigo. Ironicamente, a sorte não estava a favor do rei naquela noite.

Uma sensação sombria, ou talvez mais uma certeza, tomou-lhe a mente; não importava quantos guardas colocasse vigiando o palácio, não importava que estivesse encolhido num canto gélido escuro da adega, não importava se estivesse munido da espada feita pelo melhor ferreiro do reino, ele morreria aquela noite. A Irmã do Véu o encontraria e o grande rei de Fraleth se tornaria apenas mais uma de suas vítimas, mais uma de suas histórias de sangue e morte. Enfiou mais um gole de vinho garganta abaixo, sentindo um calor lhe invadir o corpo e ferver seu sangue. Olhou sua espada enquanto a segurava com toda a força que seu punho permitia.

- Não, eu me recuso a ser apenas mais um - disse para sua espada como se falasse para a Irmã. Se eu morrer hei de te levar ao Oblívio comigo, pois não cairei sem lutar! - Comeu então um pedaço de pão e queijo que levara consigo. Decidiu que precisava se manter forte para o que seria sua última luta, e talvez seu último triunfo.

Exceto que não haveria o combate que ele idealizava.

Por mais que tivesse tomado quase a garrafa de vinho por si só, Janus não se sentia alterado pelo álcool, sua visão não parecia turva e enxergava seus arredores, mesmo na falta de luz. Sentiu os anéis que usava apertarem enquanto sua mão parecia latejar. Seus músculos ansiavam pela hora do embate com o destino. Adrenalina e confiança tornavam-se uma combinação perigosíssima, e o rei não parecia mais temer a morte. Por um momento, sentiu que seria capaz de evadi-la.

Em meio suas fantasias de como enfiaria sua espada bem no peito da Irmã do Véu, deixou escapar sua garrafa que rolou pelo chão a poucos passos de distância de si. Fechou os olhos e pensou que não deveria ter deixado aquilo acontecer. Qualquer barulho tinha que ser evitado. A Irmã do Véu não podia nem sonhar que ele estava ali; perderia seu elemento surpresa. Porém, não podia ficar sem seu vinho, pois aquele poderia ser seu último.

Levantou lentamente sem mover mais músculos que o necessário, e deu um, dois, três, quatro passos mudos até a garrafa. O vinho havia derramado, restando, para sua tristeza, um último gole na garrafa. Não se conteve, e preencheu-se com os últimos vestígios de uvas silvestres que teria em sua vida, engolindo-os com um gosto que nunca teve antes. Era o gosto da vida e morte, encontrando-se.

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Ao abaixar a garrafa e olhar para o chão, Janus percebeu um objeto estranho grudado em seu joelho. Quando percebeu do que se tratava, uma dor aguda começou a lhe invadir as articulações, de modo que se viu forçado a se ajoelhar para não desmaiar de dor. Deixou a garrafa cair mais uma vez, agora se partindo em inúmeros pedaços ao atingir o chão. Chegara a hora. A Irmã do Véu havia chegado.

- Não consigo dizer se você é só paciente ou muito covarde - uma voz feminina ecoou nas sobras. - Juro que se Vossa Majestade tivesse comida e vinhos o suficientes teria ficado naquele canto pelo resto da sua vida.

Janus tentou olhar entre as sombras para ver qualquer movimento, mas em vão.

- Mostre-se! bradou custosamente.

Embora a adaga estivesse alojada em seu joelho, sentia dificuldade em respirar e falar. Era o veneno. O silêncio não imperava graças aos urros abafados de dor de Janus. A dor local estava se espalhando rapidamente do joelho para a perna inteira. Não conseguia se mover de maneira alguma.

Era como se estivesse transformando em pedra, uma estátua viva. Apesar da coragem para bradar novamente a ordem, não tinha mais forças para tal ação. Ainda tinha, porém, sua a espada em punhos. Quando visse a Irmã se aproximando, usaria toda sua energia para se libertar da dor numa investida final contra a Irmã. Um golpe. Era tudo o que precisava.

- Não, Vossa Majestade não irá fazer isso.

Janus sentiu um corte em sua mão direita. Outra adaga. Logo quando derrubou sua espada, tentou desesperadamente estender sua mão para pegá-la novamente. Tarde demais. Tudo que tinha agora eram uma perna e um braço não funcionais.

- P-p-p-por…que eu? - gaguejou em voz fraca.

- Vossa Majestade e seus irmãos foram escolhidos pelo Oráculo Velado.

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Um vulto surgiu à frente de Janus. Era ela, a Irmã. Pouco conseguia ver daquela figura, pois parecia uma aparição fantasma sem contornos definidos. Suas vestimentas eram escuras como as sombras, num tom verde azulado. O rei só conseguia enxergar graças à luz da lua que entrava pela janela. Sua alma foi penetrada por um par de olhos brilhantes que surgiram frente ao seu rosto.

- Deveria sentir-se abençoado, é uma honra ser escolhido para morrer em nossas mãos. Disse a Irmã.

Sentia-se qualquer coisa menos abençoado; um tolo na verdade, sentia-se um tolo em pensar que seria capaz de matar a Irmã. Foi tolo em sequer pensar que teria chance de se defender. Não haveria batalha porque ele já estava morto, e não queria admitir aquilo para si mesmo. Agora com ambas as pernas, um braço e parte de seu tórax paralisados, começava a aceitar seu destino.

- V-v-vá logo. Disse num suspiro de tristeza e angústia.

Quis pedir para que ela fosse rápida, mas não encontrou forças. Talvez nem precisasse pedir; pelo modo como matou seus irmãos, e como matava outros, seria apenas um golpe preciso e mortal.

Uma lâmina se ergueu um pouco acima dos olhos da Irmã, refletindo a luz lunar que iluminava seus últimos segundos de vida. Nunca pensou que acabaria assim, na escuridão de sua adega, fugindo amedrontado do inevitável. Sempre se imaginou como seu pai, morrendo na velhice, numa morte tranquila, acompanhado pela família, servos e amigos. Nada disso, estava à mercê da irmandade de assassinas mais misteriosas que se viu há séculos.

O reino choraria pela sua morte, visitariam seu túmulo, deixando flores e lamentos. Outros reinos também prestariam suas condolências, pois sempre foram muito diplomáticos em qualquer tipo de conflito. Um rei bom, de uma família boa, morto de modo cruel e trágico como muitos outros antes dele. Seu nome se juntaria a tantos outros que foram assassinados sem motivo aparente: ladrões, guerreiros, clérigos, e muitos outros. O que tinham em comum? Assassinados pelas Irmãs do Véu. Foi quando percebeu a verdadeira motivação por trás das ações delas.

Nunca importou quem você era, ou o que tinha feito durante sua vida. A morte chega, um dia, a todos os homens e mulheres. Era o encerramento do ciclo da vida.

- Enfrenta-te a morte com dignidade. O assassinato é um caminho da natureza.

Sem mais poder mover qualquer músculo do seu corpo, restou a Janus ver, em um único movimento, a lâmina atravessar-lhe o pescoço. Uma rápida e terrível dor aguda cortou sua linha da vida, e nada mais sentira depois. Sua mente não tardou a se perder num vazio que nunca sentiu antes enquanto o mundo simplesmente sumia à sua frente.

Caiu a cabeça para trás, e o corpo para frente. O Rei Janus estava morto.

Era um nome a menos na lista de Mortred. Já eliminados o rei e seus irmãos, seu trabalho daquela noite estava cumprido. Necessitou, porém, matar alguns guardas, cujos nomes nem sequer sabia. Isso era comum quando estavam envolvidos reis e rainhas no assassinato, mas de certo modo incomodava. Tentava apenas matar quem estava em sua lista, sempre, pois este era seu trabalho. Quando tinha que "abrir exceções", indagava-se sobre os nomes dos envolvidos. Poderiam ser eles futuros nomes não proferidos pelo Oráculo Velado?

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Não sabia. Do mesmo modo, nem sequer sabia por que os nomes da sua lista estavam lá. Meditavam junto ao Oráculo Velado, e através do acúmulo de energias arcanas, ele ditava os nomes. Muitos, uma longa lista que era distribuída a todas as Irmãs, que saíam executando o trabalho mais sagrado da ordem natural.

E porque aqueles nomes? Porque o Rei Janus e seus irmãos? E os outros que matara anteriormente? E os que mataria?

Mortred chacoalhou a cabeça. Doía pensar em perguntas como aquelas. Não faziam sentido, pois aquela era a ordem natural. Nunca vira nenhuma de suas irmãs questionando a lista e seus nomes. Sabia então que não deveria fazê-lo também. Ainda assim, não raro, via-se de frente a essas incertezas, que a seguiam como um fantasma. Os fantasmas de uma assassina fantasma.

A Irmã recolheu as adagas que utilizara em Janus; em breve as usaria novamente. Havia mais um nome, o último de sua lista atual. Nerif, um outro Oráculo vindo da Cordilheira de Zealot. "Perigosa ocupação com perigosos poderes", pensou Mortred.

Caso Nerif fosse minimamente competente em seu ofício, já sabia o que lhe aguardava, e iria se esconder e se proteger atrás de guardas assim como o Rei Janus.

Mortred suspirou. Mais mortes fora da lista a aguardavam. Decidiu que não havia tempo a perder. Esvaziou a mente de pensamentos e seguiu para fora do castelo, deixando para trás outra morte, e levando consigo seus questionamentos fantasmas.

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kundunocz
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, Bauru, Sao Paulo, Brasil
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